Nem Todas as Crianças são Anjos | Teresa sem medo

Nem Todas as Crianças são Anjos

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Não. Nem todas as crianças são anjos. Pelo menos não aos nossos olhos.

Há crianças insuportáveis, caprichosas e mal-educadas e nunca são os nossos filhos, evidentemente.

Eu comecei a trabalhar com elas, a tempo inteiro, há vinte anos, já me passaram muitas pelas mãos, como se costuma dizer, mas houve uma boa meia dúzia que me deu água pela barba, daquela que por mais toalhas que se ponham a aparar, não pára de correr. Sim, uma boa meia dúzia - cada um à sua maneira.

Esta pequena crónica é dedicada a esses meninos e meninas, que hoje são já adultos, porque foram eles os que mais me ensinaram. Os que mais me ajudaram a crescer, como educadora, como pessoa. Dado que aqui não cabem todas as histórias, vou falar-vos do Marco - o meu primeiro grande desafio.


O Marco era uma criança prepotente, teimosa e, no geral, mal-educada. Desafiava permanentemente a minha "autoridade", respondia mal e fazia questão de não compreender nada do que lhe era explicado porque nada daquilo lhe interessava verdadeiramente. Aliás, nada lhe interessava, a não ser o alheamento e o prazer imediato.

Habituado a que lhe fizessem todas as vontades, não admitia oposição e tinha o dom de me irritar até à medula. Eu DETESTAVA o Marco e culpabilizava-me, todos os dias, por detestar uma criança.

A nossa relação era impossível e de cada vez que o Marco entrava pela porta adentro eu detestava-o ainda mais. Tive momentos brilhantes em que me levantava para me fechar na casa de banho e contar até dez, até vinte, até onde fosse preciso para acalmar dentro de mim a vontade de o esbofetear.

Pensei, várias vezes - muitas vezes, todos os dias -, em dizer à mãe do Marco que não o podia ter comigo, mas a verdade é que desistir dele seria admitir a minha incapacidade.


Desistir dele seria desistir de mim. Assim, decidi olhar para a nossa relação como um dos maiores desafios da minha vida. No dia em que eu fosse capaz de me alegrar com a presença do Marco, eu teria conseguido a minha medalha de ouro. A primeira coisa que fiz foi olhar, não para o Marco mas para a criança. A verdade é que eu gosto muito de crianças, dou-me bem com elas, sinto-me realizada sempre que sei que estou a acrescentar algo de válido à vida de cada uma delas, por isso passei a olhar para o Marco-criança e não para o Marco prepotente e mal-educado.


Esse foi o primeiro passo para o milagre que se deu a seguir. O meu olhar mudou, eu mudei, o Marco mudou - tudo mudou porque abriu caminho para o passo seguinte: gostar do Marco; olhar para tudo o que de bom o Marco tinha. A partir daí foi fácil e eu passei a gostar do Marco e o Marco de mim e dos meus conselhos e das matérias da escola...


O Marco ficou comigo até fazer o 12º ano. Hoje está formado e é feliz.

Há cerca de seis anos recomendou-me a uma outra criança e, com ela, foi à minha procura. Eu já não estava onde ele me tinha deixado mas o facto é que ele me encontrou. No início desta crónica falei em uma boa meia dúzia que me deu água pela barba mas, felizmente, tive o Marco para me ensinar a lidar com todas elas.

Oiço muitas vezes muita gente dizer que as crianças estão cada vez piores, cada vez mais difíceis, cada vez mais mal-educadas. Eu acredito que os problemas infantis são mais ou menos os mesmos e sei, por experiência própria, que eles dependem sobretudo de nós - da nossa preparação para chegar até eles porque os meus anos mais difíceis, as minhas crianças mais difíceis, passaram por mim há cerca de vinte anos e nunca mais voltaram.

Foram essas que me ensinaram a ultrapassar uma grande parte dos obstáculos e hoje, para mim, as crianças são mais fáceis do que eram nesse tempo - há vinte anos atrás.

Alda Couto,
Técnica Superior de Educação

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