maio 2015 | Teresa sem medo

Não gosto da minha irmã

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Joana tem 42 anos, é casada há 15 e tem duas filhas: Patrícia, com 12 anos, e Luísa, com 8 anos de idade.

Pergunta: 
A minha filha mais velha pensa que eu gosto mais da irmã do que dela. Esta semana escreveu-me esta mensagem: “desde que a minha irmã nasceu, a minha vida é uma porcaria!”. Diz-me várias vezes que eu acho graça a todas as brincadeiras da irmã e que ela é mais bonita do que ela.

Resposta:
Compreendo perfeitamente que se sinta angustiada e imagino o quanto deverá ser duro para si ouvir a sua filha dizer-lhe que gosta menos dela do que da irmã.

O nascimento de um irmão é sempre uma fase sensível para os filhos mais velhos. É comum que os irmãos fiquem ligeiramente perturbados podendo pensar que os pais vão gostar mais do bebé do que deles, que o bebé vai roubar toda a atenção, que os pais querem outro bebé por eles terem feito alguma coisa de mal.

Posteriormente, a rivalidade entre os irmãos pela atenção dos pais faz parte do natural desenvolvimento das crianças.

A Patrícia manifesta não só um comportamento de rivalidade fraterna, importante para o seu desenvolvimento, como verbaliza a necessidade que sente na confirmação do amor da mãe. As palavras da mensagem remetem para a problemática da aceitação do nascimento de um irmão. Ora, não se trata aqui de uma questão de amor por parte dos pais, mas sim de uma necessidade de comunicação.

Concretamente, a Patrícia precisa urgentemente de ser ajudada pelos pais a (re)encontrar o seu lugar na família e reforçar os sentimentos de segurança e de amor no seio da mesma. Só assim conseguirá desenvolver uma relação saudável com a irmã.

Se a Patrícia não for ajudada vai crescer com o sentimento de ser “menos amada”, “menos bonita”, “menos competente”…, o que contribui fortemente para a construção de uma baixa auto-imagem de Si.

Consequentemente, o que hoje representa “ser menos do que a irmã” poderá transformar-se em “ser menos do que os outros” e por isso ter implicações importantes na sua vida e na criação de relações sociais saudáveis.

Carina Silva,
Psicóloga Clínica



Eu e o meu marido não concordamos em relação à educação do nosso filho

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Tenho 41 anos, sou casada há 13 anos, tenho dois filhos (12 e 9 anos de idade).

Com a minha filha Ana, nunca tive problemas. No entanto, o comportamento que o meu filho Miguel tem na escola veio mostrar que eu e o meu marido não nos entendemos nesta questão. Temos pontos de vista opostos. O nosso filho traz recados de mau comportamento e eu digo-lhe que ele não pode bater nos colegas. O meu marido diz que ele tem de bater, que tem de se defender.

Vejo que os meus filhos não andam bem. Estão oprimidos e confusos porque o pai diz uma coisa e mãe diz outra. 

Acha que terei de separar-me do meu marido?

Maria, quando li o seu email, a sua questão levou-me a pensar, por um lado, o quanto se deveria estar a sentir só e desamparada com as dificuldades resultantes do comportamento do seu filho. E, por outro lado, o grande desejo que sentia para resolver este problema em conjunto com o seu marido.

O comportamento do Miguel é uma preocupação de ambos os pais. Parece-me, que a permissão que o seu marido dá ao filho para usar da violência na relação com os colegas, esconde o medo de que o seu filho possa ser vítima de agressão. Ou seja, o pai pensa que se o filho for agressivo está menos exposto à possibilidade de ser agredido. Como tal, entende estar a protege-lo.

Ora, o comportamento desajustado do Miguel revela as suas fragilidades emocionais. Nomeadamente, a dificuldade em lidar com a zanga e com a frustração na gestão de conflitos inerentes à relação com os pares. Esta fragilidade impede-o de agir de forma saudável – assertiva.
Ao contrário, age agressivamente.

O estabelecimento de relações saudáveis de amizade são fundamentais na faixa etária do Miguel. Contribuem para o desenvolvimento harmonioso da personalidade.

O Miguel precisa por isso que os pais o ajudem a desenvolver as suas competências emocionais, nomeadamente a assertividade, ou seja, o ser capaz de expressar os seus desejos e opiniões, com segurança e clareza.

As funções parentais são um desafio importante, mas, frequentemente, contribuem mais para o afastamento, do que para a união entre o casal.

Aconselho-vos a procurarem ajuda para que possam ajudar o vosso filho também.

Carina Silva,
Psicóloga Clínica

Nem Todas as Crianças são Anjos

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Não. Nem todas as crianças são anjos. Pelo menos não aos nossos olhos.

Há crianças insuportáveis, caprichosas e mal-educadas e nunca são os nossos filhos, evidentemente.

Eu comecei a trabalhar com elas, a tempo inteiro, há vinte anos, já me passaram muitas pelas mãos, como se costuma dizer, mas houve uma boa meia dúzia que me deu água pela barba, daquela que por mais toalhas que se ponham a aparar, não pára de correr. Sim, uma boa meia dúzia - cada um à sua maneira.

Esta pequena crónica é dedicada a esses meninos e meninas, que hoje são já adultos, porque foram eles os que mais me ensinaram. Os que mais me ajudaram a crescer, como educadora, como pessoa. Dado que aqui não cabem todas as histórias, vou falar-vos do Marco - o meu primeiro grande desafio.


O Marco era uma criança prepotente, teimosa e, no geral, mal-educada. Desafiava permanentemente a minha "autoridade", respondia mal e fazia questão de não compreender nada do que lhe era explicado porque nada daquilo lhe interessava verdadeiramente. Aliás, nada lhe interessava, a não ser o alheamento e o prazer imediato.

Habituado a que lhe fizessem todas as vontades, não admitia oposição e tinha o dom de me irritar até à medula. Eu DETESTAVA o Marco e culpabilizava-me, todos os dias, por detestar uma criança.

A nossa relação era impossível e de cada vez que o Marco entrava pela porta adentro eu detestava-o ainda mais. Tive momentos brilhantes em que me levantava para me fechar na casa de banho e contar até dez, até vinte, até onde fosse preciso para acalmar dentro de mim a vontade de o esbofetear.

Pensei, várias vezes - muitas vezes, todos os dias -, em dizer à mãe do Marco que não o podia ter comigo, mas a verdade é que desistir dele seria admitir a minha incapacidade.


Desistir dele seria desistir de mim. Assim, decidi olhar para a nossa relação como um dos maiores desafios da minha vida. No dia em que eu fosse capaz de me alegrar com a presença do Marco, eu teria conseguido a minha medalha de ouro. A primeira coisa que fiz foi olhar, não para o Marco mas para a criança. A verdade é que eu gosto muito de crianças, dou-me bem com elas, sinto-me realizada sempre que sei que estou a acrescentar algo de válido à vida de cada uma delas, por isso passei a olhar para o Marco-criança e não para o Marco prepotente e mal-educado.


Esse foi o primeiro passo para o milagre que se deu a seguir. O meu olhar mudou, eu mudei, o Marco mudou - tudo mudou porque abriu caminho para o passo seguinte: gostar do Marco; olhar para tudo o que de bom o Marco tinha. A partir daí foi fácil e eu passei a gostar do Marco e o Marco de mim e dos meus conselhos e das matérias da escola...


O Marco ficou comigo até fazer o 12º ano. Hoje está formado e é feliz.

Há cerca de seis anos recomendou-me a uma outra criança e, com ela, foi à minha procura. Eu já não estava onde ele me tinha deixado mas o facto é que ele me encontrou. No início desta crónica falei em uma boa meia dúzia que me deu água pela barba mas, felizmente, tive o Marco para me ensinar a lidar com todas elas.

Oiço muitas vezes muita gente dizer que as crianças estão cada vez piores, cada vez mais difíceis, cada vez mais mal-educadas. Eu acredito que os problemas infantis são mais ou menos os mesmos e sei, por experiência própria, que eles dependem sobretudo de nós - da nossa preparação para chegar até eles porque os meus anos mais difíceis, as minhas crianças mais difíceis, passaram por mim há cerca de vinte anos e nunca mais voltaram.

Foram essas que me ensinaram a ultrapassar uma grande parte dos obstáculos e hoje, para mim, as crianças são mais fáceis do que eram nesse tempo - há vinte anos atrás.

Alda Couto,
Técnica Superior de Educação