Desde que se conhece como mulher, Maria sempre fez
dieta. Não que fosse obesa! Ao contrário, Maria nem tinha peso a mais. Era uma
mulher, nem gorda nem magra. Era uma mulher equilibrada. No entanto, Maria
sentia-se sempre um pouco gordinha, com imensa celulite e com umas banhinhas
aqui e ali. “Estancou” na medida 36. Quando sentia que a cintura, a anca ou a
barriga cresciam, nem que fosse um centímetro, começava uma nova dieta. Por
conta própria. Foi assim, desde sempre! Maria nem se recordava de uma vida sem
limites alimentares.
Maria casou, teve dois filhos e começava a fazer
dieta, logo após cada uma das gravidezes. Isso valeu-lhe um corpo invejável,
mesmo depois dos 40! Um corpo invejável para os outros, claro. Para Maria
faltava sempre algo. Ou, na perspectiva dela, havia sempre algo a mais. Vivia
obcecada com a ideia comum, de que o corpo das mulheres muda depois dos 30. E o
corpo dela não mudou. Depois, estava convicta que, chegando os 40 iria
acontecer, em definitivo, esse fenómeno da multiplicação das células adiposas.
Logo após os 40 anos, Pedro, que sempre elogiara o corpo de Maria, passou a ter mais responsabilidades na empresa e aceitou sociedade na S.A. Pedro desmultiplicou-se em horas passadas a trabalhar. Maria desmultiplicou-se em chocolates. Com eles vieram uns quilos a mais. Não muitos. Talvez uns seis. Pouca coisa, para uma mulher elegante de 1,70m! Mas eram seis quilos e o tamanho 36 tornou-se uma impossibilidade. Como impossível se tinha tornado o humor de Maria. Maria devorava chocolates. Primeiro por prazer, depois por dor. E, como se o doce fosse a mais, Maria compensava-se de seguida com pistácios e amendoins fritos salgados.
Pedro começou a ter pouca paciência para o mau humor
de Maria. Com o humor alterado, Maria deixou de se despir à frente de Pedro
alegando que estava gorda demais para que ele a visse. Passaram a fazer amor
cada vez menos vezes, depois passaram a fazê-lo apenas às escuras e a seguir
nem o faziam mais, porque Maria não lhe apetecia. E, sim, porque Pedro passou a
chegar a casa cada vez mais tarde. Esperando que este tarde fosse suficiente
para Maria já estar a dormir.
Ninguém entendia Maria. Nem a própria Maria. Chegou a
um ponto em que simplesmente Pedro disse a Maria que não aguentava mais. E
Maria concluiu que era porque estava gorda e que Pedro não a entendia, nem a
amava.
Demorou algum tempo para que Maria ultrapassasse este
difícil processo de desfasamento relativo à sua auto-imagem. Passou a viver de relacionamentos
rápidos, daqueles em que as pessoas não se detêm para ver o outro, nem para o
sentir. Daqueles em que isso também não importa nada. Nesta azáfama de procura,
de uma procura vingativa para afastar a raiva que sentia de si própria, Maria
conheceu Afonso. Afonso era um jovem executivo bem sucedido em busca de sexo
sem compromisso, mas, sempre que possível com mulheres inteligentes. E
resolvidas! Encontraram-se numa sessão de cinema de meia-noite. Maria para não
ir para casa cedo. Afonso para aliviar mais um dia de trabalho até às tantas.
No estacionamento subterrâneo quis o destino que os
carros de ambos estivessem lado a lado. E dali, quis a vontade que saíssem
juntos. No carro de Afonso.
Nessa manhã de Verão, após a intensa noite de
revolução que aquele amor tinha sido, Afonso contou a Maria que se tinha
divorciado há dois meses. Não aguentara o facto da mulher se achar sempre
“cheinha” e de nunca conseguir levá-la a jantar, sem que passasse o tempo a
contar calorias. Afonso confessou, com algum despudor, que os homens amam
mulheres reais. Mulheres assumidas, mulheres que aceitam a sua imagem. Mulheres
que se cuidam, mas que não são escravas de dietas, de cirurgias, de ginásio.
Afonso confessou o quanto amou a noite com Maria. Exactamente por Maria ser
assim! Despreocupada. Genuína. Assumidamente mulher. Com as suas curvas
generosas. Com locais únicos onde deitar a cabeça. Uma mulher, como ele
gostaria que a sua tivesse sido.
Em suma:
Instalou-se em nós uma insatisfação crónica que chega
também aos nossos relacionamentos pessoais e amorosos, em particular. Uma
insatisfação que sentimos por nós mesmos colocando à nossa vida, metas cada vez
mais ambiciosas. Neste processo, acabamos por incluir aqueles que amamos, muitas
vezes culpando-os por não sermos felizes.
E, muitas vezes com isso, privamos a nossa própria
felicidade.
Teresa Marta
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